quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Memórias de sensações internas da performance com Bando do Barro

Exposição Guardar do Bando do Barro.

Dia 09.12.2010 no Museu Histórico de Florianópolis.

Eu e a Lara recebemos o convite do artista Nico Giuliano de realizar uma performance com suas peças na abertura do evento.
E partimos de carro de Porto Alegre um dia antes para conhecer o local.

Acredito que há performances que podem ocorrer independente do local de apresentação.
Porém, existem aquelas que o lugar faz parte do processo de criação.
E assim ocorreu com esta ação.
Precisávamos estar lá presentes sentindo o lugar, respirando aquele ar,
pisando naquele chão...

Já tínhamos algumas informações antes de ir que a performance iria ocorrer em um espelho d'agua. E a água era fundamental para construção do trabalho.
Mas como seria esse espelho d'água?
Profundidade? Tamanho? Em que parte do jardim do museu?

Chegamos de viagem às 21hs - BR 101 durante algumas horas direto para o jardim do museu.
Nico nos mostrou o espelho d'água.
Ficava ao lado de uma das entradas externas no canto do jardim.
Em um dos cantos, estavam as peças do Nico Giuliano sobre pequenas torres de tijolos empilhados formando um círculo com um pequeno jato de água no centro.

Aos poucos começamos a sugerir e elaborar situações com aquele cenário.
Em menos de uma hora conseguimos pensar em algo que estivesse relacionado com o nome da exposição: Guardar.

Pensamos se funcionaria uma trilha sonora...
Mas desistimos e assumimos o barulho da água e o silêncio.

Voltamos somente no dia seguinte, uma hora antes da abertura.
Além da nossa performance acontecia conversa com os artistas e apresentação de música.
E não sabíamos, apesar que tentamos ficar sabendo,
quando exatamente poderíamos realizar a ação.
Assim que conseguimos a informação da organizadora da exposição, corremos, nos vestimos e
começamos nosso percurso.

Nós duas com saias e blusas brancas e pés descalços.

Como estou falando das minhas memórias, são as minhas impressões e percepções
que estarão aqui no decorrer do texto.

Meu caminhar, meu olhar buscavam uma neutralidade.
Após um apresentação de música, garçons, vinhos, bebidas, conversas....
Eu buscava trazer um posicionamento diferente das outras pessoas,
mas ainda sim um garçom me ofereceu vinho nesse caminhar da performance.

Percorri por meio de rodas de conversas com um olhar centrado para frente,
para o caminho que escolhia passar.

Tentava ao mesmo tempo, perceber o ritmo que a Lara estava para chegarmos juntas ao local estabelecido no espelho d'água.

Ao chegar, respirei fundo parada em uma das bordas de pedra.

Começamos a caminhar bem devagar até chegar na divisória dos espelhos d'água, junto à queda de água.
Uma de frente para outra.
Nos olhamos e retornamos a caminhar agora de costas e fazendo um gesto com uma das mãos pelo rosto, peito, ventre como se estivesse empurrando algo para fora.

Iniciava, como o Rodrigo Nuñez comentou ao fim da apresentação, um ritual de preparação.
E assim nós duas percorremos todas as bordas até entrarmos na água.

Eu estava num ritmo mais acelerado que a Lara.
Por mais que eu tentasse conter, meus passos avançavam mais rápido.

Um reflexo da minha busca por respostas, acertar minha vida.
Acertar? Não é bem isso, porque também é necessário errar.
Mas visualizar um caminho.

Voltando ao roteiro da ação:
Água pelos joelhos...

Enquanto nós dávamos passos à frente, tentávamos segurar a água no peito.
Salientar essa tentativa de guardar...

Movimentos que eram poucos e lentos começaram a ter uma intensidade
e um tanto de desespero.

Nos aproximamos das cabeças de cerâmica.
Cinco cabeças. Cada uma em uma direção.

Na primeira cabeça nos aproximamos, sentamos na frente e abraçamos.
Um abraço, um apego.
Apertar contra o peito.
Segurar sem deixar escapar.

Na segunda cabeça, sentamos na frente e começamos a molhar a peça.
Lavar. Limpar.
Em seguida lavamos o próprio rosto.
Purificar.

Na terceira cabeça, tocamos as duas sobre a face da mesma cabeça
e nos impulsionamos de costas para água.
E ali permanecemos durante um tempo boiando nesse espelho d'água,
preenchendo outros espaços.
desapegando...

Porém o meu "boiar" foi um tanto inquieto.
O tempo de ficar ali estendida na água começou a ser agoniante.
O que era para ser um estado de relaxamento, se tornou para mim
um momento de vulnerabilidade a tantos olhares.

Minha percepção ficou alterada pela água.
Não consegui me entregar ao que me banhava.
Talvez pela mesma ansiedade apresentada nos passos no
início da performance.
Talvez por eu buscar algo palpável na minha vida.
Talvez por eu estar vivendo um momento já muito dilúido.

E quanto à água?
É difícil manter um controle...
Não posso segurar em minhas mãos.

Mas ela pode me lavar.
E levar embora o que não preciso mais.
Quem sabe em outra hora consigo realmente me entregar?

Depois de passar o máximo de tempo que consigo ficar ali sobre a água,
levanto e me apoio na borda.
A Lara também se movimenta e atravessamos caminhando o espelho d'água.
Saímos da água e percorremos o jardim novamente até o local onde começamos.

Assim terminou a ação.
Ouvimos aplausos, apesar de muitas vezes conversarmos entre o naipe
que não se aplaude performance...

Depois de secar, trocar de roupa, saímos ao jardim novamente.
Nesse momento algumas pessoas vieram cumprimentar,
outras nos mostraram fotos que tiraram, outra veio dizer que chorou e se emocionou...

Foi uma performance que teve um ar denso.
Bonita ao mesmo tempo que tinha um certo peso.
Através de algumas conversas após a ação, percebemos o quanto
o silêncio foi um grande elemento dessa densidade.

Ficou bem comprido esse texto.
Mas acredito que cada palavra teve seu valor na expressão do que senti.

Postado por Mariana Konrad

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Registros Fragmentos e Reflexos







21.11.2010
16hs
Recanto Europeu
Redenção

Sensações Fragmentos e Reflexos

Demorei um pouco para escrever sobre as sensações que tive ao fazer essa úlima performance do naipe - Fragmentos e Reflexos, talvez para digerir mesmo tudo que percebi.
Enfim, como foi uma intervenção em um espaço público. O imprevisto estava assumido.
Chegando no espaço para montagem da ação. Uma surpresa. Bem ao lado, um show com palco montado, caixas de som enormes...bandas....
Imaginem a interferência sonora, contando que tínhamos um músico convidado (ainda bem que ele usava guitarra e amplificador!!!)
Mas é isso aí!
Parque, espaço público...

Acabamos de montar nossa estrutura com ajudas de amigos (verdadeiros anjos nessas horas).
Trocamos de roupa e estávamos lá. Prontas e posicionadas.
Cada um com um canetão preto.
Eu num extremo do corredor de colunas e a Lara no outro.
Felipe Chagas, o músico, estava bem ao centro na lateral.

E nesse momento, imagina um silêncio interno para me concentrar na ação.
Porém escutava bastante a voz do vocalista da banda do show ao lado....
Como não sabia se era eu que não escuta a guitarra do nosso músico ou ele não tinha começado, resolvi começar a dar os primeiros passos, gestos...
Daí deu um alívio!
Comecei a escutar aquele som distorcido que tanto almejava escutar da guitarra.
Meu ombro respondeu com um gesto naquele exato momento.

E assim começou de fato a se modificar o clima daquele espaço.
Algo surgiu.
Famílias, crianças, casais, vendedores ambulantes, cada um em seu tempo de curiosidade, foram se aproximando.
Aquele primeiro momento da ação representava para mim um período de marcas deixadas pelo caminho e tentativas de construir algo. Tentativas, porque, em algumas momento o que estava sendo construído se interrompe. Se torna confuso, quero ir para algum lugar e não sei onde.
Quero fazer algo e não sei o quê. Aflição, agonia...até chegar na hora de se deparar com o problema de fato.

Nessa primeira fase, então, eu já tinha pré estabelecido uma estrutura de movimentos e gestos.
Mas estando ali, com aquela energia, aquelas colunas...me aguçaram a explorar e ousar mais e mais. E fazer de determinadas situações do acaso, algo que acrescentasse no trabalho.
E foi assim, nessa fase de "tumulto" da ação um bêbado passou pelo meio do corredor fascinado pelo som da guitarra e quase me atropelou, nem me viu, e fiz disso algo que interferiu no meu movimento, saí dando voltas quase encostando nele tb...como uma folha que voa ao vento...
Outra situação foi quando uma menina de uns 5 anos de idade se aproximou enquanto eu desenhava no segundo vidro. Ela olhava para o desenho que se formava e como meu gesto estava sendo influenciado pela música da guitarra. Não podia continuar como se ela não estivesse ali.
Virei bem o vidro pra ela enquanto continuava os últimos traços.
Cada vidro que balançava com o vento interferia em como meu corpo se mexia.
Por vezes andei em círculos sem saber qual vidro iria explorar.
Me apoiei nas colunas como forma de me segurar...
Movimentos quebrados, torcidos, contração...

Cheguei no centro do corredor.
O grande vidro estava ali. Pendurado.
No chão a lona de tecido. Potes com tinta. Pincel. Batom preto
A guitarra silenciou.

Eu e a Lara nos olhamos.
Seguramos o vidro para parar de girar.
Pincel na mão e começamos a molhar com tinta branca e pintar o vidro.
Nesse segundo momento. Juntou muita gente. Concentração naquele centro do espaço.
Para mim, essa fase simboliza muito o enfrentamento de frente de aluma situação.
Apagar, desapegar, desfazer....
Estávamos apagando nosso reflexo naquele vidro e já não nos víamos mais.
Mas chegava a hora de romper tudo.
E precisávamos de uma tesoura.
ahh tesoura.

Esse foi outro fato do acaso.
A tesoura não estava a postos.
Foi então que o uso da palavra fez parte da ação e quebrou com o ritual de nosso silêncio reagindo apenas através de movimentos do corpo.
Soltei o verbo com vontade e assumi a sensação de desespero que me tomava.
E falei alto.
- Alguém me alcança a tesoura!
nada...
- Alguém me alcança a tesoura faz favor! Eu preciso cortar isso daqui!!!
e minha mãe se movimentou atravessando o corredor até chegar nos materiais recostados ao lado do músico e me alcançou.

Sim! Agora eu podia cortar e romper com o fio de náilon que sustentava aquele vidro.
Aquela barreira divisória.
Para mim, foi bem simbólico minha mãe me trazer a tesoura para tirar aquilo do caminho.
Enfim.
Ao cortar o fio, eu e a Lara deitamos o vidro sobre o tecido.
Enrolamos e cobrimos.
Uma de frente para outra.
Começamos aos poucos a caminhar por cima do vidro embalado.
Aos poucos vai se quebrando, barulhos de estilhaços realçados por um microfone posionado com efeito com eco...
E seguimos, passando por cima do "problema" sem se machucar.
Protegidas pelo tecido.

Agora uma de costas para outra olhamos para o resto do corredor a percorrer.
Seguramos nesse momento o batom preto.

O som da guitarra reaparece com harmonia em sua melodia.
E a sensação agora para mim é de um grande alívio.
Meu rosto já não carrega mais um ar pesado e confuso.
Mas sim uma leveza.
Meu primeiro movimento foi circular com a cabeça.
Relaxando.
Um certo sorriso, começava a surgir.
Meu caminhar agora já seguia movimentos mais longos...
Mais lentos...
Meu ritmo já não alterava tanto.
Meus braços balançavam de um lado para outro despreocupados.
Realmente na busca de um equilibrio.
Os desenhos não ficam regsitrados nos lugares em que passo, mas em mim também.
E vou me aproximando de cada vidro desenhado.
Um universo com um novo olhar, com outras marcas, outras possibilidades.
O primeiro desenho que fiz na minha pele foi direto no meu rosto.
Depois na perna...braços...

Percebo que percorri meu caminho.
O som da guitarra continua.
Não olho para trás.
Resolvo seguir pelo parque agora.
Com um caminhar extremamente leve e tranquilo.
Estou sorrindo para as pessoas que passam.
E de canto de olho percebo 3 crianças que me seguem.
Estamos no meio de algumas árvores e derepente me vejo tomada de vontade de interagir com elas. Vou num pulo para trás de uma árvore. Ouço risadas.
Em seguida corro para trás de outra. Mais risadas e agora elas realmente correm na inha direção.
E começamos nossa brincadeira.
Corria corria e quando eu parava colocava os braços pra cima e elas me abraçavam.

Não podia ter um final melhor para mim.
Estar em contato direto com energias novas e puras.
Depois de atravessar um corredor vivenciar esse último momento com elas foi praticamente
encontrar a luz.
Talvez tenha exagerado.
Mas fiquei extremamente realizada com a performance.
Situações ocorreram do acaso de forma a acrescentar a ação.

Agradeço imensamente, em meu nome e no nome do grupo naipe, todos que puderam prestigiar e compartilhar do trabalho.

Ass. Mariana Konrad

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

performance Fragmentos e Reflexos

O Grupo naipe, coletivo de intervenções e performances artísticas, desde 2008 participa de diversas atividades relacionas à arte e a cultura de Porto Alegre. Nesta edição do evento da Bienal B, o grupo apresenta a performance Fragmentos e Reflexos em um dos espaços mais belos da Redenção. O Recanto Europeu possui uma arquitetura inspiradora. O corredor principal de colunas servirá como local de investigação da ação.


Pedaços de vidros pendurados.
Um som distorcido no ar.
Duas mulheres.
Cada uma no extremo do corredor. Cada uma no seu universo.
Movimentos.
Como se relacionam com suas imagens?
Como sustentam suas afirmações? Negações?
Determinar caminhos, fazer escolhas, desapegar e enfrentar novos olhares.
Reações aos momentos de transições.
Percurso fragmentado.
Extremos representados atuando na busca de um equilíbrio, um novo olhar.

Postado por Mariana Konrad



sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Fotos Fragmentos e Reflexos




Performers Lara Sosa e Mariana Konrad
Músicos Felipe Chagas e Ronald Franco
Fotos Fernanda Bec






sábado, 23 de outubro de 2010

Referência para a performance Fragmentos e Reflexos - Apresentada no domingo dia 21 de novembro, 16h, Recanto Europeu, Parque da Redenção.

Henri-Pierre Jeudy, no livro O corpo como objeto de arte, 2002, levanta questões sobre a realização de performances contemporâneas e diz que a utilização do corpo na expressão artística parece, segundo as histórias da arte, ter como origem as maneiras pelas quais os homens das sociedades tribais utilizavam seu próprio corpo para nele escrever sinais. Isso, na visão do autor, permite afirmar que certas performances atuais retomam igualmente, ou em boa parte, as tradições tribais/primitivas. Para Jeudy, fazer arte é redescobrir o corpo. A busca em redescobrir o poder de um corpo originário serviu em grande parte para definir uma função social e cultural da criação artística. Para ele, o corpo escrito, o corpo pintado com hieroglifos não é somente um objeto estético em si, torna-se sujeito de uma transmissão cultural que tem o poder de transformar em objetos aqueles que realizam essa escrita. Assim, não se sabe porque as pinturas corporais responderiam a uma função coletiva nas sociedades tribais/primitivas e a uma função de individualização nas sociedades ocidentais, como a tatuagem ou a maquiagem. Ao contrário, a complexidade da pintura sobre a pele liga-se ao fato de que ela traduz simultâneamente uma expressão coletiva e individual. As modalidades simbólicas não são as mesmas, mas essa confusão entre individual e coletivo persiste, como se a própria pele fosse lugar da manifestação coletiva daquilo que é justamente pessoal. Entre os Papuas da Nova Guiné, as pinturas corporais são excepcionais, sendo praticadas em rituais, ao passo que a maquiagem, nas sociedades ocidentais é permanente. A pele, como um relato infinito, desvela e oculta a intimidade de nosso corpo, cujo sentido público jamais é totalmente objetivável.

Por Lara Sosa